Corra

O que realmente nos assusta? A escuridão, monstros com garras afiadas, ou a ideia de que o perigo pode estar nos lugares e pessoas que parecem mais seguros e inofensivos? O filme Corra!, de Jordan Peele, é uma jornada perturbadora que nos faz questionar exatamente isso. Ele não é apenas um filme de terror, mas uma crítica social inteligente, embrulhada em suspense e humor ácido, que nos pega pela mão e nos conduz por um labirinto de tensão e desconforto.

O diretor, Jordan Peele, nos convida a entrar na pele de Chris Washington, um fotógrafo talentoso interpretado com uma vulnerabilidade e um carisma impressionantes por Daniel Kaluuya. Chris está prestes a conhecer os pais de sua namorada branca, Rose Armitage, vivida por Allison Williams. O que deveria ser um momento de nervosismo comum se transforma em algo muito mais sinistro. A atuação de Kaluuya é o coração do filme. Conseguimos sentir o desconforto de Chris, sua confusão e, mais tarde, seu terror. Já Allison Williams consegue ser doce e enigmática, fazendo-nos acreditar em sua inocência até o último segundo, o que torna a reviravolta ainda mais impactante. A dinâmica entre os dois é tão convincente que a queda é ainda mais dolorosa para o espectador.

A mágica de Corra! está na forma como Peele conta a história. Ele não se apoia em sustos baratos. Em vez disso, constrói a tensão lentamente, usando a direção para nos colocar no lugar de Chris. A câmera muitas vezes foca no rosto de Chris, mostrando suas reações e nos convidando a sentir o que ele sente. O visual do filme contribui muito para essa sensação. A casa da família Armitage é um cenário perfeito, com sua estética de "lar de família perfeita" que esconde algo de podre por baixo da superfície. As cores são vivas e ensolaradas, contrastando com a escuridão da verdade que se esconde ali. A trilha sonora é um show à parte, com sons que parecem vir de pesadelos, misturando vozes assombradas e percussão de maneira a criar uma atmosfera de puro pavor psicológico. A música não apenas assusta, ela nos alerta de que algo está muito errado, mesmo quando nada parece estar.

O ponto principal do filme não é apenas assustar, mas nos fazer refletir sobre o racismo de uma forma nova. Ele nos mostra que o preconceito pode ser sutil e disfarçado de gentileza, e que o terror pode estar na hipocrisia e no roubo de identidade. O filme faz uma crítica afiada à apropriação cultural, à objetificação dos corpos negros e à ideia de que as pessoas negras são "propriedades" que podem ser admiradas, usadas e descartadas. Embora o ritmo do filme possa parecer lento para alguns, essa cadência é essencial para que a tensão se acumule e a verdade seja revelada de forma devastadora. Não é um defeito, mas uma escolha consciente do diretor para nos envolver na experiência de Chris, para que sintamos o terror de forma gradual e insidiosa.

Corra! é para quem gosta de filmes de terror que fazem você pensar, que te deixam com uma sensação de incômodo por dias e te fazem enxergar o mundo de uma forma diferente. É um filme para quem procura algo mais do que sangue e monstros. É uma obra que prova que o gênero de terror pode ser tão importante e relevante quanto qualquer outro. Se você está pronto para uma experiência cinematográfica que vai te arrepiar e te fazer refletir, não perca a chance de assistir.